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PEC 300/2016: AFINAL, DEVEMOS NOS PREOCUPAR?  

PEC 300/2016: AFINAL, DEVEMOS NOS PREOCUPAR?  

20/02/2019
Por Dra. Juliana Partinelli - Advogada do Sintercamp
Dra. Juliana Partinelli - Advogada do Sintercamp

 Partindo de um processo de redemocratização, marcado pelos movimentos grevistas, fortalecimento do sindicalismo e o reconhecimento jurídico dos partidos políticos, surgiu assim, o ambiente sociopolítico ideal para a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte. Nesse contexto de pressão social e instabilidade institucional foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que representou simbolicamente o restabelecimento do Estado Democrático de Direito após 21 anos de regime ditatorial no Brasil.  

Na Constituição Federal de 1988 deu-se destaque para a ideia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do constitucionalismo.   A valorização do trabalho aparece repetidas vezes no texto da Constituição Federal, sendo inclusive um dos fundamentos presentes no artigo 1º, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.   De fato, o trabalho prestado em condições de dignidade é imperativo para o processo de emancipação e de constituição da identidade social e coletiva do trabalhador. Neste contexto, o valor social do trabalho consubstanciado com a dignidade da pessoa humana, é colocado como fundamento da República do Brasil, pois é ele próprio premissa para o exercício efetivo da cidadania no Estado Democrático de Direito.  

A PEC – Proposta de Emenda Constitucional tem um processo de aprovação diferenciado e muito mais rigoroso que o das leis ordinárias. Tendo em vista que trata-se da modificação da lei maior do Estado, são poucos os que podem exercê-la, tal como dispõe o artigo 60 da Constituição Federal.   Ocorre que no início deste mês o deputado federal Luiz Fernando Faria, por meio da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, emitiu um parecer favorável à admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 300/2016. De autoria do também deputado federal Mauro Lopes, o texto altera artigos da Constituição Federal, retirando mais direitos trabalhistas, além daqueles já modificados ou extintos pela Lei nº 13.467/2017.   A PEC 300/2016 prevê, entre outras mudanças, a ampliação da jornada diária de trabalho para 10 (dez) horas, respeitado o limite de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, sendo facultada a compensação de horários e a alteração da jornada, mediante Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.   Também dispõe sobre o reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho prevalecendo sobre as disposições previstas em lei, constitucionalizando o que já foi alterado através da Reforma Trabalhista, no artigo 611-A, caput, da CLT.   A PEC 300/2016 também pretende reduzir o aviso prévio de até 90 dias para 30 dias, independentemente do tempo de duração do contrato de trabalho, bem como modificar a denominada prescrição bienal, diminuindo de 2 anos para apenas 3 meses o prazo para o trabalhador ajuizar reclamação trabalhista após a extinção do seu contrato de trabalho.   Ademais, a Proposta em comento também pretende dificultar ainda mais o acesso do empregado à Justiça do Trabalho, indo contra o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.  

Além do trabalhador ter apenas 3 meses para ajuizar uma ação trabalhista depois de encerrado seu contrato, antes de ajuizar esta ação, deverá obrigatoriamente que passar por uma Comissão de Conciliação Prévia – CCP.   Necessário relembrar que em agosto do ano passado o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que demandas trabalhistas podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário sem a necessidade de se passar previamente por uma Comissão de Conciliação Prévia.  

No seu relatório, o deputado federal Luiz Fernando Faria defendeu que “a Proposta de Emenda à Constituição busca superar o anacronismo das regras trabalhistas brasileiras, dentro do mesmo espírito que norteou a edição da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que ficou conhecida como ‘Reforma Trabalhista’ e justamente buscou colocar a legislação laboral até então vigente em sintonia com os novos princípios norteadores da ordem econômica, buscando aumentar o volume de empregos e conferir algum grau de segurança jurídica a empresários e empregadores perante a Justiça do Trabalho”.   É visível que nos últimos anos a Justiça do Trabalho tem passado por muitas alterações, em julho de 2017 foi sancionada a Reforma Trabalhista com a mesma justificativa de combater o desemprego e a crise econômica do país, estando vigente desde novembro de 2017. Meses antes era aprovada a Lei nº 13.429/2017, que dispôs diversas alterações acerca da terceirização. Poucos dias após a vigência da Reforma Trabalhista houve a publicação da Medida Provisória nº 808/2017 que alterou e complementou diversos pontos da reforma. Já em 1º de janeiro de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro editou sua primeira Medida Provisória, a MP 870/2019 reduziu consideravelmente as atribuições do Ministério do Trabalho, que foram distribuídas entre os Ministérios da Economia, Justiça e Cidadania.  

Diante de tantas alterações, flexibilizações e mesmo extinções de direitos trabalhistas e criação de empecilhos ao acesso à Justiça, cria-se um clima de medo e preocupação com o futuro da Justiça do Trabalho e da própria advocacia trabalhista, como se os direitos fundamentais da Constituição Federal estivessem sendo paulatinamente esquecidos. Esse sentimento é compartilhado entre trabalhadores, advogados e membros do Judiciário Trabalhista como um todo, que esperam por dias melhores diante desse cenário sombrio.  

Em tempo: a PEC 300/2016 foi arquivada em 31/1/2019, mas tendo em vista o atual cenário político, não impede que a PEC seja desarquivada e discutida novamente.  

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