Um motorista de aplicativo é um empreendedor ou um trabalhador em uma situação precarizada? Considerar a “uberização” do trabalho como um processo empreendedor é uma deturpação do conceito de empreendedorismo. Na realidade, motoristas de aplicativos sequer podem ser considerados uma “nova classe” de profissionais. Segundo Clemente Ganz, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), eles não são empreendedores, tampouco se enquadram nas formas mais “clássicas” de trabalho.
“É uma situação anômala a tudo aquilo que relacionamos com trabalho. O motorista não é exatamente um autônomo, pois não há vínculo. Também não entra na relação assalariada clássica. Diria que é a expressão das novas ocupações, que precisam ser interpretadas no contexto atual, com cenário de forte desocupação”, afirma Clemente.
Segundo ele, a associação do termo ao empreendedorismo tem cunho político, pois transfere a responsabilidade da empregabilidade para o trabalhador. “É a pessoa dizendo para o desocupado: ‘Vire-se para gerar um posto de trabalho’. Então, fala em empreender – quando, na verdade, ele não tem controle algum. Não controla preço, não controla que passageiros vai pegar. Quem define é o aplicativo. Que autonomia ele tem? Empreendedor tem de ter autonomia.”
Usar o termo empreendedorismo, é fruto de uma confusão de conceitos. Empreendedor é alguém que monta um projeto, cria a empresa, assume o risco, investe e perpetua o seu negócio. Assim que ele der certo, vira empresário. Empreendedor é esta fase. O empreendedorismo, compreende um tempo em que só há investimento, sem lucro.
Exemplificando: Qual é o empreendedor que instantaneamente começa a faturar dinheiro de um dia para o outro? Você tem de recuperar capital. No aplicativo, se começar hoje, amanhã o dinheiro está na conta. É mais uma maneira de sobrevivência, de renda instantânea, não de empreendedorismo. O debate sobre é a relação da Uber com os motoristas é pauta nos tribunais trabalhistas do mundo todo. Na Califórnia (EUA), a Justiça obrigou o aplicativo a considerar os motoristas como funcionários. No Brasil, houve decisões nesse sentido, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) sustenta que o motorista não tem vínculo com a empresa – o que pode forçar a interpretação de empreendedorismo.
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